Frio Empresarial na Barriga

 Medo. Além de gratidão, medo é o sentimento basal da minha vida. Ainda ontem um cigano leu na palma da minha mão o quanto as pessoas têm dificuldade em ver meu lado frágil, o que me faz sentir muito solitária nos caminhos e decisões que tomo.

    “O medo é sinalizador, Zaby”, dizia sempre uma amiga – a mesma que acabou me levando a trabalhar com café, em 2000. E assim, toda vez que minha espinha gela, tento ver por onde andam meus pensamentos e sentimentos, na busca por um caminho que me leve para lugares pelos quais minha alma anseia. Não foi diferente dessa vez, em que acabei por tomar uma decisão que me cutucava fazia já mais de ano: simplificar a operação do Coffee Lab brutalmente.

    Uma das marcas do Coffee Lab sempre foi a sofisticação do cardápio e do atendimento, complexidade esta que nos colocou num patamar internacional de singularidade atraente e motivo de orgulho para toda a equipe. Éramos considerados corajosos, “loucos” e talentosos pelos especialistas de café do mundo todo. Como abrir mão disso? E por quê?!

    Porque cansei. Cansa. Porque esse sucesso nos afasta do coração do nosso negócio que é o relacionamento íntimo e respeitoso com o café. Porque atender bem e servir todos os rituais e comidinhas charmosas que tínhamos no cardápio tira o foco do nosso motivo de existir. Porque queremos que todos os nossos baristas sejam instrutores da nossa escola e não nos sobrava tempo para formá-los como gostamos.

    O Coffee Lab nasceu como escola em 2004. Antes disso, eu já dava treinamentos desde 2002. Ou seja, nossa maior vocação na vida é a educação, e a tentação do sucesso do Lab nos distanciava do caminho da pesquisa, da educação e da formação de profissionais e amantes de café.

    A escola atendeu mais de 1600 alunos em 2017, mais de 2000 em 2018 e por isso demanda cada vez mais atenção. Com o nível de exigência em qualidade que tenho, preciso abrir mão. E o caminho mais coerente no nosso caso é simplificar nossa operação de cafeteria, para provar mais cafés, estudar mais, pesquisar e ensinar novas formas e sabores, aprender novos caminhos.

    Decidimos, então, manter os itens campeões de bilheteria no cardápio. Também aqueles mais simples operacionalmente, para que nossos baristas possam, mais rapidamente, trilhar a carreira pedagógica. No entanto, nada disso seria possível se não confiássemos que nosso cliente está maduro para compreender a sofisticação por trás da simplicidade. Acreditamos que já podemos abrir mão de explicar detalhadamente os métodos e processos, porque simplesmente estamos num outro patamar de consumo de café especial no Brasil. Estamos prontos para falarmos mais de sabores, cheiros e de pessoas por trás das nossas xícaras.

    Vocês verão que mantivemos um único método de preparo e que tiramos os rituais, que passam agora a fazer apenas parte da linda história da construção do relacionamento do Lab com nossos clientes e baristas. Já podemos conversar mais sem nos preocuparmos com a correria das comandas, podemos prestar mais atenção ainda aos grãos que torramos diariamente. Os bebedores de café já podem andar com as próprias pernas.

    Além disso, escolhemos, com muita dor no coração, manter somente as comidinhas que deixam nosso bastidor mais enxuto. Entendemos a frustração que a ausência de um sabor que adoramos pode causar, e tentaremos acolhê-la da melhor maneira possível.

    Reduzimos o cardápio em dois terços, o que vai de encontro frontal à máxima “não se mexe em time que está ganhando”. Mexemos. E isso dá muito medo. Se volta e meia temos dificuldade em ver claramente os caminhos a nossa frente, que o medo seja nossa lanterna e que a vulnerabilidade que ele provoca seja combustível para o aprendizado diante da nova jornada.

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O café nos tempos da pandemia.

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Como o Coffee Lab quase faliu e voltou mais forte.