O café nos tempos da pandemia.

Um misto de irritação, assombro e resignação permeiam meus dias desde meados de março, quando a OMS declarou pandemia por conta da disseminação do Covid-19, em 11 de março. Creio que o assombro e a resignação sejam sentimentos facilmente compreensíveis diante da situação mundial que vivemos. Mas por que irritação? Explico, ou reflito ainda sobre isso, a seguir: 

O café especial, como categoria que se refere aos grãos de alta qualidade técnica, é estudado há menos do que 50 anos. No Brasil, apenas há pouco mais de 20 anos tomamos esses grãos. Nesse curto tempo de construção, o consumo desse produto tão novo vem crescendo exponencialmente a cada ano, o que significa um ritmo maravilhoso para um produto que, apesar do nome ser muito familiar, é sensorialmente muito diferente do café que costumamos tomar aqui há gerações. Fiquem comigo, vocês vão entender onde quero chegar. 

Além dos sabores maravilhosos que encontramos numa xícara de café de qualidade, responsabilidade eco-social e rastreabilidade detalhada são condições sine qua non para que um café faça parte da categoria “especial”. Respeito ao produtor, cuidado com toda a cadeia, com o meio ambiente, qualidade sensorial e preços justos fazem parte da gênese do produto no mundo. Nascemos fazendo bonito na xícara e fora dela. Nascemos cuidando do ecossistema e das pessoas. Ou seja, nascemos já fazendo o que a pandemia, pelo jeito, nos impôs de reflexão sobre a relação com consumo,  com o alimento e com a saúde global. 

Então, a irritação vem do fato de que já estávamos fazendo “o dever de casa” e lutando bravamente por um lugar no coração do consumidor e do mercado há apenas 20 anos aqui no país. E exatamente por sermos um produto jovem, tantos produtores, torrefações e cafeterias focadas em cafés especiais não sobreviverão à crise que nos assola, exatamente aqueles que já plantavam sementes tão necessárias à sustentabilidade da vida na terra. Alguns resistirão, outros chegarão, mas é difícil não achar uma judiação tudo isso. Continuo acreditando, por acompanhar a trajetória do café especial no Brasil há 20 anos, que investir em qualidade e tudo o que ela carrega é o único caminho viável para a maioria dos pequenos produtores no mundo. 

Para mim, café especial é respeito. Respeito pelos requisitos técnicos, respeito à Natureza, às pessoas responsáveis pelas milhares de xícaras do mundo e, especialmente, respeito a um preço realmente justo para o pequeno produtor.

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