Como o Coffee Lab quase faliu e voltou mais forte.

Espero que o título acima e os parágrafos que seguem possam justificar a longa ausência, que coincide com um período que começou em dezembro de 2015, quando resolvi fazer uma enorme reforma no Coffee Lab, e terminou pouco mais de dois anos depois, quando tomei a decisão de me embrenhar num novo projeto, sintomático de que a reforma fora bem sucedida. A dedicação a essa newsletter que gosto tanto, em que posso falar sobre o bastidor das coisas do café e do Lab, requer um investimento de energia geralmente não disponível quando a obra mexe em todas as nossas estruturas. Agora volto a bater papo com vocês e hoje conto um pouco do processo de reconstrução da minha empresa.

Já sentia que ela precisava de mim. Na verdade, já sabia, mas protelei ter que voltar meu olhar para cada detalhe do negócio, como fazemos enquanto ainda é jovem e frágil. O Coffee Lab já “andava sozinho”, já era saudável financeiramente e estava estabelecido como uma das referências em cafés de qualidade no país. E com uma equipe maior e mais preparada, deleguei. E cometi um dos maiores erros sobre o qual advirto empresários nas minhas palestras: não monitorar. Deleguei e não monitorei.

Instruí e não monitorei. Treinei e não monitorei os resultados e andamento dos processos. O período que seguiu foi doloroso e imensamente trabalhoso, mas talvez hoje não mudasse nada se pudesse voltar no tempo. O aprendizado de ter que olhar para minha negligência e meus erros me ensinou e trouxe a empresa para um patamar de maturidade que nos permite pensar em darmos passos maiores do que jamais planejamos, de uma forma mais leve e divertida.

Deparei-me com uma empresa que sequer me reconhecia como liderança. As frases, os olhares, as esquivas me contavam sobre a falta de confiança da equipe na minha capacidade de tocar a empresa, tomar decisões justas e boas e, inclusive, no meu conhecimento de café, que nunca deixou de ser atualizado. Apelidei-me de Medusa porque ninguém conseguia me olhar por mais do que cinco segundos. O clima organizacional era hostil, o que me entristeceu profundamente. Eu permiti que o ambiente de trabalho no Coffee Lab ficasse pesado e, por isso, a interação entre todos se dava num lugar de doença emocional ao invés de cooperação. Não havia respeito, confiança ou alegria. Obviamente a rotatividade era muito maior do que a média do setor. Entrar todos os dias na minha própria empresa sem ser vista ou apreciada foi uma das experiências mais intensas que vivi. Eu havia me escondido da minha equipe usando apenas um interlocutor como veículo, não me expus e não mostrei as minhas fragilidades, dúvidas e certezas. O resultado foi que passei a ser para a equipe um conjunto das projeções que as relações nesse ambiente esquisito produziu.

Respirei fundo e vim trabalhar; muito e todos os dias. Tinha muitas tarefas pela frente e, àquela altura, cada parafuso fora do lugar poderia por em risco o frágil equilíbrio da empresa.

Literalmente arrumei os parafusos e cada cômodo e cada armário. Deixei a empresa bonita, o ambiente de almoço parecendo a casinha da avó e jogamos toneladas de lixo e equipamentos quebrados por falta de cuidado. Depois do espaço físico arrumado, precisava olhar para o dinheiro e tentar identificar os pequenos vazamentos porque são os centavos mal administrados que te levam à falência. Os grandes erros financeiros e administrativos são facilmente detectáveis. Passei oito meses cuidando somente do administrativo, sabendo que meu café, meu grão, esperaria pela minha presença mais constante. Tive que fazer uma escolha e, naquele momento, se não colocasse meu dinheiro em ordem, não haveria sacas de café na próxima safra entrando pelo nosso portão. Sabendo que a qualidade do nosso café estava minimamente garantida, sentei a bunda na cadeira e lidei com taxas, contador, impostos e pagamentos por quase um ano.

Ao longo desse processo, senti vergonha, tristeza, muito medo e exaustão. Pensei várias vezes em desistir, fechar e me mudar para a Escandinávia, onde eu teria um bom emprego no café. Demorou até que eu pudesse entender que tipo de equipe eu poderia e queria construir. Várias pessoas vieram e foram até que encontrássemos nosso jeitão e ele não incluía brigas, climas e caras feias. Também não incluía melindres e conversas de canto. Falamos muito em gentileza e generosidade. Brigamos muito por empatia e compreensão dos limites e talentos do outro. Ainda brigamos muito por tudo isso, diariamente. Lembrei-me frequentemente de todas as vezes que fui generosa usando o tom errado e o resultado destrutivo disso. E aprendi muito sobre os vários tipos de comunicação que podemos desenvolver como ferramenta nessa complexa relação entre colegas de trabalho que convivem horas a fio com pessoas com quem, na maioria, não escolheram compartilhar a vida.

Em meio a todas as tarefas técnico-empresariais que tinha, jamais perdi de vista que o mais importante era o investimento na minha galera, ficasse quem ficasse, viesse quem viesse. Conseguimos chegar num lugar mais gentil e respeitoso, em que podemos nos olhar por mais de cinco segundos. Nem preciso dizer que a rotatividade é minúscula agora. Hoje tenho orgulho do que construímos, não só pelo trabalho com café especial, mas de como hoje olhamos e acolhemos o material humano com todos os erros e acertos dessa loucura que é conviver.

Isabela Raposeiras

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